A política e a politicagem na capoeira: duas faces da mesma moeda
Por: Mestra Brisa e Mestre Jean Pangolin
Sabe aquela descrença que nos abateu entorno da “política”, sobretudo quando nosso país nos dá tantos indícios de que o que vem da “política” não presta, é sempre vinculado a roubos, desvio de verba pública e etc? Ainda mais quando aproximam a política da capoeira, aí é que eu engasgava e dizia… – Não quero saber disso aqui, não! Então… Compartilhamos da mesma sensação, porém com o tempo e a aproximação com os conceitos, pude perceber que estava a misturar duas coisas diferentes… Disso que trataremos no texto a seguir…
Iniciarei tratando do que é política, do ponto de vista conceitual… Segundo o dicionário Michaelis, política vem do grego πολιτικός / politikos, significa a “arte ou ciência de governar”, algo que tem a ver com a organização, direção e administração de nações ou Estados. Nos regimes democráticos, a ciência política é a atividade dos cidadãos que se ocupam dos assuntos públicos com seu voto ou com sua militância. Neste sentido, política se aproxima do ato de organizar, dirigir, administrar algo. Trazendo pra capoeira, seria como o papel do mestre diante de seu grupo de alunos, sua roda, fazendo a gestão deste “organismo vivo” que são os capoeiras no entorno da capoeira.
Ora! Se pensarmos no nosso país como uma grande roda, poderíamos entender que a política estaria concentrada nas mãos da/o nossa/o mais antiga/o – a mestra, pela experiência reconhecida publicamente, em mãos dadas aos seus alunos mais antigos (contramestres/as, professores/as, formados/as, treinéis…) na complexa lida com o conjunto de praticantes. Este seria o desenho que representaria a política em nossa arte.
Um elemento importante está por trás desta cena que, tal como na sociedade, nos preocupa. Quais os objetivos que mediam a ação desta mestra ou mestre, gestor desta cena onde a política atua – a RODA? Seria congregar? Seria o bem comum? Seria a formação dos capoeiras para a construção de uma visão crítica e emancipatória ao seu redor? Seria então para ter um “clã” sobre seu domínio e abuso de poder? Seria para adquirir em favor de benefício próprio, esquecendo de REPRESENTAR caminhos de prosperidade para seu coletivo?
Boas e intrigantes perguntas. Me fizeram começar a refletir e compreender mais sobre a “política”, sua missão e como ela deve ser gerida, e como ela também pode ser desviada, a depender dos objetivos de quem a conduz, servindo a diferentes propósitos que não representem um coletivo.
Ou seja, quando alguém têm a oportunidade de representar um conjunto de indivíduos, suas idéias, suas necessidades, bem como gerenciar os negócios públicos, jamais pode monopolizar o “fazer” da política, este “Fazer” deve ficar a cargo, ou subordinado aos interesses de todos os integrantes do coletivo, da comunidade, do município, da unidade e do Estado.
Assim comecei a entender que política é responsabilidade de todas as pessoas representadas, pois serve a todas elas! Assim comecei a entender também que não era a “política que não prestava”, como disse no começo deste texto, e sim, a POLITICAGEM.
Ainda segundo o dicionário Michaelis, Politicagem, termo pejorativo, significa a “Política de baixo nível, voltada para os interesses pessoais, de troca de favores, ou de realizações insignificantes”. Seria como em uma roda, nosso representante máximo – o/a mestre/a, beneficiar um aluno em detrimento de outros por troca de favores – financeiros, logísticos, afetivos, etc; ou utilizar-se do grupo de alunos para conseguir benefícios particulares, esquecendo de que estes benefícios devem servir ao coletivo; ou por último, algum aluno mais velho, ou mais influente, que passe a gerenciar os interesses de um antigo mestre – por sua idade avançada, e passar a se beneficiar deste lugar em benefício próprio…. enfim, cabe a tantas situações infelizmente, que nem consigo enumerá-las.
Nesta mesma linha da politicagem, invariavelmente, temos escutado que os “fins justificam os meios”, ou seja, seria legítimo “manipular” o resultado de um edital publico para a capoeira, em favor de “A” ou “B”, sob a premissa de que este ou aquele “precisa mais”…. Perdão, mas um ERRO não justifica outro. Algo muito atual semelhante acontece quando escuto alguém falar que “precisamos decidir pelos antigos mestres”, pois estes não possuem consciência critica política… Lamentável!! Enfim, cabe aqui a reflexão de que quando burlamos as estruturas de encaminhamentos da política, abrimos um precedente que, invariavelmente, poderemos ser vítimas em um futuro próximo, pois, “pau que dá em Chico, dá em Francisco”.
Escutei um sujeito falar que “em um sistema injusto era legítimo usar todas as armas para beneficiar uma dada causa”, isso tudo foi feito, a partir um discurso “inflamado” e “rancoroso”, transformando a “roda de capoeira” em uma espécie de veículo para recrutamento de novos soldados ideológicos para a causa defendida pelo autor da fala, contudo, após o discurso eloqüente, quando a capoeira foi iniciada no “chão da roda”, não percebi a “militância” emergindo/fluindo do berimbau bem tocado, do jogo cadenciada e/ou da cantiga entoada com o conteúdo crítico da emancipação humana. Assim, percebi que para eficácia da POLITICA na capoeira precisamos “vesti-la” da ritualística ancestral que compõe a dinâmica cultural, pois fora disso, só teremos a velha politicagem travestida falsamente de política boazinha.
O capoeira politizado não pode se estruturar fora do POLITICO “CAPOEIRIZADO”, aquele que faz o berimbau “gritar” por dias melhores, aquele que seu jogo é a materialização de uma mobilidade subversiva, aquele que seu canto faz pensar para além das denúncias óbvias, trazendo para si e para os outros, o embrião de um mundo mais justo e emancipado, considerando uma lida cotidiana em que “fazemos aprendendo” e “aprendemos fazendo”.
Tocando uma cavalaria, em alerta máximo, conclamo a todos revisitarem seu conceito de política, ampliando-o, para que possamos assim, vestir nossa indumentária e seguir fazendo política na capoeira, não politicagem! Participem! Elejam com consciência quem será seu representante! E se você é capoeira, se possível, seja representado por um capoeira, legítimo, reconhecido, de boa índole e de boa fé!
Axé!
Ei, psiu, gostou? Então compartilhe, ajude a capoeira a refletir!
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