A primeira vez
“Para tudo há uma primeira vez”, quantos vezes eu já não ouvi esta frase? E quantas “primeiras vezes” já não passavam em nossas vidas, muitas vezes sem ser mesmo notado? E quantas a gente nunca mais esqueçam: A primeira viagem sem pais, a primeira namorada, o primeiro beijo, a primeira vez que viu a capoeira…
Este aí, é a minha primeira vez, quer dizer; a minha primeira coluna para o Portal Capoeira. E como todas primeiras vezes, há uma mistura de expectação, incerteza, vontade, tensão, animação e esperança: será que vai dar certo mesmo?
Para começar, gostaria de esclarecer algumas coisas: eu não sou Mestre de Capoeira, e então não tenho aquela autoridade que vem de combinação de conhecimento, experiência e o tempo. Minha proposta então é de falar sobre temas, conceitos e tópicos que surgem na minha experiência da capoeira e das minhas pesquisas sobre ela, e outras áreas em que trabalho. Meu alvo não é falar ‘como é que é’, tampouco de só informar, mas de dar incentivo para refletir, para pensar. Isto quer dizer que gostaria também ter feedback de vocês leitores; coisas que vocês dis/concordam, e temas sobre quais vocês querem ouvir mais.
Fora da capoeira, minha “áreas de especialização” são a filosofia, as ciências políticas e sociais e a educação. No momento estou fazendo um doutorado em filosofia, teoria política e educação, onde eu implico a capoeira também; deste trabalho surgem varias temas que vão ser refletido aqui na coluna.
Mas para não ficar só numa introdução, queria continuar na tema que já introduzi; a primeira vez. Na capoeira, depois o primeiro encontro, uma das mais importantes primeiras vezes é talvez a(s) primeira(s) aula(s) e o primeiro professor de capoeira. Já ouvi um mestre falar que “a verdadeira base do jogo e a técnica de um capoeirista é feito no primeiro 2-3 anos. Depois é quase impossível, o pelo menos muito difícil, de mudar o jogo e estilo de um(a) aluno/a.”
Então me perguntei: será que esta declaração tem alguma reflexão na ciência? Para isto olhei para a área de psicologia do desenvolvimento; como o nosso cérebro e a capacidade de aprender se desenvolve no ser humano. Na verdade, nosso cérebro consiste de vários partes, e uma destes é a memória. E o que a gente está treinando na aula de capoeira, é uma memória corporal; aprender e aperfeiçoar um movimento, até ele sai (quase) sem pensar como fazer-lhe, intuitivamente. Este tipo de memória chama se memória processual; o lugar dos nossos rotinas e automatismos. Habilidades que a gente aprendeu num certo momento, e muitas vezes com um monte de prática, muitas repetições.[1]
Mas não toda repetição tem o mesmo valor: as primeiras tem muito mais impacto do que os seguidas. Porque como a gente sabe, mudar de habito é uma coisa difícil; e na capoeira isto é devido ao memória processual. Então quando estamos na aula de capoeira, estamos a aprender (ou ensinar) de criar um habito, que são (o conjunto de) movimentos de capoeira. E esses movimentos a gente aprende com olhar e imitar, e com explicação e correção pelo um professor. E por isto a primeira vez, o primeiro professor, é tão importante: é lá onde os fundamentos do habito, da rotina, são feitos. Uma casa sem fundamento boa, cai. Um capoeirista com habito ‘ruim’, dificilmente se desenvolve até um nível mais alto de jogo.
Com crianças, há ainda uns fatores a mais para cuidar. Porque o nosso cérebro se desenvolve até uns 25 de idade; quer dizer que até lá, todos estímulos das pessoas, do ambiente e da experiência própria, tem uma influência maior no desenvolvimento do cérebro, e nas capacidades que desenvolvemos durante o resto da vida. Dentro isto, o mais importante são os primeiros 6 anos da vida, onde o cérebro desenvolve o ‘hardware’ dele, que determina as possibilidades de ‘softwares’ que pode desenvolver depois.
Isto quer dizer, que ensinar crianças é quase uma responsabilidade maior do que ensinar adultos: não só pelo lado pedagógica, mas então mais ainda da perspectiva do desenvolvimento do cérebro e as habilidades que surgem dele.
Aí, na capoeira tem alguma coisa particular: porque eu, como a maioridade dos professores de capoeira, aprenderam a dar aula com crianças. As primeiras aulas que a gente normalmente podem gerar sozinho, são aulas (ou oficinas) de crianças (ou iniciantes). Há vários razões para isto: crianças pequenas fazem de ti um bom professor – se sabes gerar um grupo de 30 crianças entre 5-8 anos de idade, com certeza sabe gerar um grupo de adultos. Também, um professor iniciante, as vezes ainda não tem suficiente experiência e ferramentas para desafiar um grupo de adultos mais experientes na capoeira. Tem que começar a ensinar a base. Etc.
Mas se olhamos pelo lado de aprendizagem, de desenvolvimento do corpo e mente, e a ligação com as nossas habilidades e capacidade, isto parece um pouco estranho: no lugar e no período mais delicada de aprendizagem, botamos muitas vezes os professores de capoeira menos experientes, iniciantes.[2] Mesmo quando sabemos que um tratamento errado duma criança, pode causar problemas para ele/a para o resto da vida. Então porque deixamos tanto ao sorte?
Falando disto, há uma outra coisa importante ligado nisto, que vou tratar na próxima, que é ‘o exemplo’.
[1] Aqui estou falando de treino corporal, porque com o treino de música, que também faz parte da capoeira, alguns outros aspectos de nosso cérebro são usadas também.
[2] A mesma coisa acontece na sistema educacional formal, onde para ser professor de primaria, precisa ter menos formação do que para um professor de secundaria, ou até universitária.
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