Dandara Baldez: Voz sem Medo 

Dandara Baldez: Voz sem Medo

Natural de São Luiz do Maranhão e residente na Bahia há 15 anos, Mestra Dandara Baldez começou a treinar capoeira aos 5 anos na casa-escola de sua avó. Aos 12 foi para a primera academia fora de casa, com o Mestre Betinho, e aos 14 começou a treinar Capoeira Angola com o Mestre Alberto Euzamor. Além da Capoeira Angola ela também é Mestre em Danças Populares pela UFBA e ministra aulas na turma de graduação desta Universidade.

“No ambiente que estávamos envolvidos todos me silenciaram. Você não pode falar disso agora…” #4 Dandara Baldez

2a temporada da websérie Voz sem Medo – Coletivo Ponto Art

Masculinidade: Solon Diego Realização: Coletivo Ponto Art ( Jaqueline Elesbão, Nai Meneses e Anderson Gavião) Gravação: Gira Pompa (Malaika KB e Marise Urbano) Trilha sonora:Ives Padilha Intérprete de Libras: Gabriela Mattos (Pense Libras ) Locação: Casa Charriot www.coletivopontoart.com.br

Quem carrega o nome de Dandara, por si só, já evoca de forma única a ancestralidade e a resistência. Nascida em São Luis do Maranhão, onde através de sua avó herdou um vasto legado cultural Banto, Dandara percorreu os mais fecundos terreiros como a Casa Fanti-Ashanti, dialogando e aprendendo entre outros com a família Menezes, uma das mais tradicionais da cidade, composta sobretudo por mulheres de grande talento e devoção, inigualáveis guardiãs das manifestações populares maranhenses.

Praticante da Capoeira Angola desde os cinco anos de idade, tornou-se mestra no grupo Capoeira Angola Canzuá. Pesquisadora e brincante, excele em diversos territórios das manifestações populares brasileiras, atuando em suas danças e tambores.

Dandara desconstrói e reforça as tradições, num corpo que resiste, reconstrói e polemiza trazendo novas dimensões às linguagens, fazendo ecoar sua voz única que presenteia há 15 anos a cidade de Salvador. Lidera o coletivo do tambor de Crioula « Baiei na Bahia », um dos lugares onde reivindica sem cansaço o espaço do povo preto e seu protagonismo nas manifestações ancestrais da afro-diáspora. Quem a encontra em uma roda jamais esquece sua força, habilidade, beleza e maestria.”

Mestra Dandara Baldez (por Mônica Freire)

MANIFESTO DAS MULHERES DO GT SALVADOR E REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR DA SALVAGUARDA DA CAPOEIRA NA BAHIA

Nós, mulheres que compõem o GT RMS da Salvaguarda da Capoeira na Bahia, mulheres atuantes – como tantas outras companheiras – no cenário da capoeira, viemos manifestar nosso posicionamento diante da repercussão sobre o risco de silenciamento de mais uma situação de violência de gênero na capoeira, a partir da ampla veiculação de um depoimento em vídeo, dado pela mestra Dandara Baldez e veiculado através do Youtube, pelo canal do Coletivo Ponto Art. Nele, a mestra denuncia um abuso cometido por conhecido mestre de capoeira angola. Lamentável. Em seguida, também tivemos conhecimento de um vídeo com ampla veiculação em grupos de whatsapp, gravado pelo mestre Cobra Mansa, solicitando uma ‘oportunidade de diálogo’.

Ocorreram, assim, algumas manifestações advindas de coletivos compostos de mulheres em sua maioria, repudiando o fato e prestando solidariedade à mestra. Há amplo registro dessa movimentação nas redes sociais. Elucidamos que a presente manifestação, se orienta pelas indicações (ou falta delas) do Plano de Salvaguarda da Capoeira da Bahia, construído em longo processo de reuniões coletivas, entre diferentes segmentos e territórios da capoeira no Estado da Bahia.

Nosso maior objetivo é entender essa lamentável denúncia de abuso sob uma ótica que pretende contribuir para o debate e para a nossa reflexão enquanto representantes múltiplxs e diversxs da capoeiragem e da sua Salvaguarda. Não entendemos como nossa função emitir julgamentos ou sentenças sobre xs envolvidxs e xs que se envolveram desde a veiculação do depoimento da mestra Dandara.

Contudo, a comunidade da capoeira necessita, com urgência, refletir coletivamente e falar sobre seus tantos, inúmeros e recorrentes episódios de abuso, e sobre os também inúmeros representantes da capoeira que os cometem e que prosseguem ilesos e equivocados, achando que nenhuma consequência há em seus atos que traumatizam vidas, silenciam pessoas e transformam a capoeira em um ambiente perigoso, não apensa para mulheres, mas também para meninas e meninos. Esse ambiente em que vemos com apreensão o envolvimentx de nossxs filhxs, é a Manifestação Cultural para a qual criamos tantas estratégias, buscando combater o preconceito social que sempre tratou a capoeira como coisa marginal e de marginais…

Estamos falando da nossa capoeira!

Somos “cúmplices”, na atualidade, diante de todas as muitas revelações que vem escapando como poeira por debaixo de muitos tapetes, da existência de caminhos espúrios em nossa comunidade. Perguntem a qualquer mulher da capoeira (sejam mais velhas ou mais novas) sobre uma história de abuso que sofreu na capoeira e ela vai te contar! Ou melhor, talvez não. Muitas ainda não terão esta coragem porque há sempre o poder de ‘homens da capoeira’ em jogo (tanto velhos, quanto jovens). Difícil comprar a briga (não é jogo, é briga!) com uma tradição masculina que tem ‘telhado de vidro despedaçado’, mas que se mostra hábil, através do terrível apoio do silenciamento, em ‘tapar o sol com a peneira’. O mecanismo de perpetuação destes silêncios acontece todo dia e toda hora. Recentemente, outro (re)conhecido mestre ao ser chamado para se posicionar acerca de episódio de abuso amplamente divulgado em redes sociais, cometido por seu aluno, também mestre, se esquivou. Disse (e pessoas presentes ouviram) que não poderia se posicionar por ter o ‘rabo preso’. Não dizemos quem é, mas sabemos quem é. E vai continuar assim. E vão continuar assim. Silenciosxs e Silenciadxs: somos tão capoeiristas que silenciamos o silêncio?! Não contamos que não contamos!

Mas, segundo uma boa reflexão conhecida por todos, a capoeira é também o espaço onde o “engano se enganou”.

O que temos de diferente no episódio da mestra Dandara Baldez, é que ela se posicionou, avançando na coragem de se colocar publicamente, ainda que não sendo explícita ao não mencionar o nome do mestre abusador. Já o mestre que apresenta o vídeo, se coloca publicamente, embora não assuma a responsabilidade ou não faça declarações sobre o fato denunciado em si, solicitando diálogo com a comunidade. Solicita uma ‘oportunidade’. Para quê? Para defesa? Para diálogo? Para explicação?

O que faremos com essa situação ‘nova’ que se apresenta com essa configuração pela primeira vez na nossa experiência histórica de capoeira, no âmbito da luta pela igualdade de gênero?

Nenhuma mulher quer ouvir explicação sobre o inexplicável.

Não dá para acolher mais desrespeito. Lutamos aqui por nós, por nossas ancestrais, por todas que virão para perpetuar o espaço que acreditamos ser de promoção da identidade e de combate às opressões, facetas da capoeira que abraçamos, representamos e nos dedicamos. Nos interessa o diálogo, não explicação.

A coragem de mestra Dandara vai ficar, sim, gravada na história da capoeira. Isso é fato. Por tudo que move e reverbera nessa ação. Reconhecemos e acolhemos com empatia a sua atitude.

Grupos e grupos de zap de capoeira (com a temática da mulher, logicamente) estão se virando e revirando por conta dessa história e a forma com que está conectada com a história de cada mulher capoeirista que existe. Pensamos que essa história já pertence a todxs nós. Pensamos que uma retratação pública do mestre acusado pode ajudar a minimizar as consequências e a descredibilidade que a comunidade vai sofrer e que a capoeira já sofre permeada por tantas histórias assim. Falta de fé em nós mesmxs. Decepção de muitxs.

Tampouco encontramos argumentos para a maneira como o povo negro foi inserido a força por um sistema bruto em toda a América, primeiramente através o imenso período de escravidão e, depois, ao ‘deus dará’ a que foram todxs (homens e mulheres, nossas rainhas e reis) sentenciadxs: o ‘deus dará da violência’.

O fato da história da capoeira estar diretamente ligada com tantas consequências para o povo afrobrasileiro, não permite que percamos de vista o grau complexo de construção social que envolve grande parte de nossos guardiões da capoeira. Aqueles que chamamos de mestres, muitas vezes em atitudes de idolatria promovidas por encantamento nosso – causado por tantas habilidades que apresentam-, sejam jovens ou velhos, são em bem grande parte, homens de experiências de vida cheias de contradições, cheias de aprendizagens vinculadas a sobrevivência, relacionadas às educações subtraídas, omitidas, distorcidas e contaminadas pela cultura da violência, sobretudo da violência de gênero. Ninguém é coitadinhx na capoeira, mas vítimas sociais, somos todXs. Até ganharmos consciência histórico-social e podermos resistir e reagir.

A tragédia da colonização ainda hoje boicota nossa visão de coletivo e de avanço social.

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Contatos com a Mestra podem ser feitos por e-mail e via redes sociais: Instagram

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