Juntos Aprendemos

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Juntos aprendemos

 

Sou aluno que aprende, sou mestre que dá lição..”; quem não conhece essa frase? E quem não ouviu que na capoeira, nunca se para de aprender, seja mestre ou não? Mas falar é fácil; na prática se nota como é difícil ser – e permanecer – aluno.

Eu falo aqui de ser aluno em termos de atitude, de posição. “Ser aluno” implica para mim de ter uma vontade – uma curiosidade -, de aprender e de conhecer. De ter uma cabeça aberta para receber novas informações e mais importante ainda – aceitar outras informações e visões que colocam suas próprias perspectivas em questão.

Para conseguir isso, precisamos deixar por um momento nossa certeza sobre a nossa própria razão. Largar a idéia que a nossa perspectiva é a certa; em breve, precisamos praticar a humildade.

Na filosofia antiga, a humildade é vista como uma virtude; uma disposição adquirida de fazer o bem, segundo Aristóteles. Algo que se aperfeiçoa com o hábito. Como virtude, a humildade é uma qualidade moral que consiste em conhecer as suas próprias limitações e fraquezas e agir de acordo com essa consciência. De não tentar se projetar sobre as outras pessoas, nem mostrar ser superior a elas.[1]

 

Praticar humildade com alguém que tu admiras ou quem respeitas, é compreensível. Mas como é que fazemos com alguém que não admiramos, não respeitamos e talvez até detestamos? São nestes momentos em que eu realizo que – mesmo pensando em tentar praticar a humildade – realmente ainda não entendi muito bem o que é.

As vezes eu me dou mal com alguém também. Normal, pensava eu. Se queremos ser nós mesmos, é difícil se dar bem com todos e todas. Há gente que segue outros princípios e valores, com quem não podemos concordar sem trair os nossos princípios. Mas aí acho que alguém me ensinou algo importante.

Claro, que aconteceu na capoeira; é onde eu passo muito tempo, e também um lugar aonde a humildade e a vanglória e o orgulho se encontram em várias situações. Porque o capoeirista também não é aquele guerreiro, ou ao menos não deveria ser covarde? Não é na capoeira onde a gente valoriza também a ousadia e o orgulho de ser a nossa própria pessoa? E isto não implica então um pouco de orgulho em si mesmo, e criticar um pouco as outras pessoas? Porque sem me comparar com outros, como vou saber se aquilo que estou fazendo é certo? Acho que entre o respeito para si e para o outro, entre a valorização de si e a humildade com o outro, tem um linha fina para se pisar.

 

Por sorte minha, aquela pessoa não parava de me puxar; de me mostrar que eu nem sempre tenho razão, mesmo quando a oposição é tão clara. E depois um outro pequeno confronto, me falou: “nós aprendemos juntos, um do outro”.

Fora da grandeza do gesto, me incentivou também de pensar sobre a implicação daquilo. E pensei que além de uma posição ética em relação ao outro, a humildade implica em uma posição prática: dar espaço ao outro/a de te falar, mostrar, ensinar algo. Porque juntos a gente realmente aprende coisas diferentes, de que quando aprendemos sozinhos.

Isto a capoeira nos também mostra: há coisas que podemos treinar sozinhos – movimentos, técnicas, músicas – mas há outras que só podemos fazer e aprender com outros, no grupo. A cultura oral, a base da tradição de capoeira, também é baseado no grupo, na dependência do outro com quem a história é partilhada.

 

A medida em que conseguimos praticar a humildade, não só com quem respeitamos mas especialmente com quem nunca iremos concordar, determina o tamanho de nossa aprendizagem. Porque, é aquela pessoa, que vira o nosso mundo de cabeça para baixo, que representa algo que sempre excluímos da nossa percepção. E no momento que conseguimos escutar-lhe e realmente ver o que ela representa para nós, ela nos obriga a mudar nossa sensibilidade, e a nossa percepção. Ela nos mostra uma outra realidade; e assim muda a nossa.[2]

 

Claro que isto pode ser um processo doloroso; não passamos tanto tempo e energia excluindo-o? Então para mim, praticar uma verdadeira humildade não é nada fácil…mas na próxima vez, não esqueço de agradecer ao meu “inimigo”, sendo em ou fora de mim.

 

Continuamos aprendendo juntos.

 

Carybé pe do berimbay

 

[1] Isto não é a mesma coisa que a modéstia, que é o sentimento de velar-se quanto as qualidades intelectuais e morais (oposto de vaidade), a moderação em aparência ou ação, não desejando atrair atenção imprópria para si. Tampouco a humildade é a falsa modéstia: que é vangloriar-se auto-humilhando-se falsamente.

 

[2] É um argumento que é elaborado pelo filosofo francês Jacques Rancière, por exemplo no livro Disagreement: Politics and Philosophy, University of Minnesota Press, Minnesota, 1999.

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